terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Souvenirs

Estava eu a fazer umas arrumações nos dois contíguos apartamentos da Baixa do Porto onde vivi toda a minha infância e juventude, na parte nova da Rua de Sá da Bandeira, ali ao pé da “Rádio Renascença” e bem por cima do “café portista” (lá podia ser outro!), quando, ao abrir uma caixa com livros que havia guardado há já muitos, muitos anos… voilà, ganhei o dia!
Encontro o meu primeiro livro de francês “Regardons vers le pays de France” de 1968, o livro oficial da disciplina de francês, mas não exclusivo, porque estudávamos também pelas revistas ParisMatch e Passe-Partout que, por assinatura, mensalmente recebíamos de França (aquelas bem-aventuradas “modernices” que à época o Colégio João de Deus proporcionava aos seus alunos).
O que eu corri por aquele livro… o que eu procurei por ele… dei-me até ao desplante de pedir à editora que me facultasse o nome da localidade francesa que aparecia retratada na capa do livro.
Eu explico!
Desde miúdo fiquei rendido aos encantos daquela fotografia que agora, com o livro de novo ao meu alcance, sei tratar-se de Saumur, Val de Loire. Aquela imagem percorreu durante anos o meu imaginário e, posso assegurá-lo, é também responsável (a par com o meu saudoso professor de francês, Dr. Vilaça) por este encanto e admiração, quase obsessão, que nutro até hoje pela França. A foto mostra-nos uma paisagem típica de França, onde sobressai uma igreja com a sua incontornável e característica torre alta e esguia, em jeito de flecha.
A França sempre exerceu sobre mim um misterioso fascínio, a ponto de referir amiúde, e em jeito de brincadeira, que devo ter sido francês noutra encarnação. Já em finais da década de setenta, num daqueles intercâmbios promovidos pela Universidade de Coimbra, tive oportunidade de, pela primeira vez, aventurar-me por essa Europa e pisar solo francês, belga e holandês. O casal que me acolheu não queria acreditar que eu nunca (jamais) tivesse estado em França e, mais propriamente, em Paris, tal era a segurança, o conhecimento e a precisão com que identificava as ruas, monumentos e demais pontos de interesse. Hoje em dia, que me desloco a França várias vezes por ano, principalmente de carro, passo a transportar comigo este recôndito desejo de me dirigir a Saumur e fotografar la ville com aquele mesmíssimo ângulo e enquadramento da foto de há 40 anos… porque sei que, tanto tempo depois, permanece quase tudo inalterado… e porque sei também que lá, contrariamente ao que sucede por cá, as cidades são realidades a preservar, feitas de processos lentos e consolidados onde são necessários muitos e muitos anos, décadas até, para se operarem transformações dignas de registo.
Tudo isto somado faz com que adore as cidades francesas, como gosto da campagne, dos Alpes e dos Pirenéus, dos rios Sena, Loire e Rhône. Fascina-me a Côte d’Azur e a Provence, a Bretanha, a Normandia, a Alsácia e até Pas-de-Calais (c’est le Nord!). Gosto dos monumentos, dos chateaux e das suas envolventes de parques e jardins, encantam-me as abadias e aprecio as igrejas e as sua torres, quais flechas apontadas ao céu. Sou fã de Roland-Garros, gosto da moda e dos perfumes franceses… e a Lacoste continua a ser a minha marca de roupa preferida. Não dispenso os meus produtos franceses, favoritos, claro está: table à fromages, com presença obrigatória do Camembert, vin rouge (Bordeaux, Cotes du Rhône, Beaujolais…), champagne, petit gâteau, chantilly, croissant, baguette e pâté. Gosto até, pasmem(!), da língua francesa e da sua melodia e sonoridade. É assim!
Perdoem-me, pois, este desfilar de “souvenirs” próprio de quem, entre lá e cá, vai sentindo o moer da saudade!

Opinião de Correia de Araújo
in "Defesa de Espinho" de 26/Novembro/2009


1 comentário:

Anónimo disse...

Bonito texto.